domingo, 21 de outubro de 2012

Ética e autoajuda


Ética com os pés no chão (3/3)

 Por Eugen Pfister

 
“Pode haver no mundo coisa mais prática do que aprender a viver do melhor modo possível?” A afirmação disfarçada sob a forma de pergunta capta a força oculta que move os personagens do romance O Fio da Navalha de Somerset Maugham: encontrar respostas para o sentido da vida, mesmo que aos trancos e barrancos.

É disso, justamente, de que se ocupa a Ética: como viver da melhor forma possível consigo e com os outros. Nesse sentido a ética é uma ferramenta de autoajuda como de cidadania e humanismo; uma disciplina prática de cunho existencial e social, não um decálogo de mandamentos e interdições.

Quando o assunto é a vida, as pessoas reagem de forma distinta. Uns acreditam que a conhecem o suficiente e se aventuram a dar conselhos a torto e direito. Outros têm dúvidas sobre o significado de viver eticamente no mundo moderno e evitam palpitar na vida alheia. E, por último, há uma minoria que acredita que a vida não cabe numa fórmula única, existindo outras formas legítimas de se viver.

Simpatizo com os últimos. Procuro não colocar o carro das respostas antes do boi das questões. Não é sensato imaginar que possuímos uma resposta inteligente antes de conhecer a situação concreta. Este é o maior defeito da ética doutrinária: reivindicar a existência de um gabarito moral antes das questões terem sido colocadas sobre a mesa.

Evite essa armadilha visualizando a Ética como um método de análise de problemas e situações que busca promover valores e interesses comuns.1 Ou seja, antes de condenar ou  absolver, examine as questões concretas, identifique os problemas reais  e potenciais, coteje as soluções possíveis, avalie as restrições e, aí sim, defina um curso de ação que otimize os benefícios para as partes direta ou indiretamente envolvidas.

O moralista, por exemplo, condena o ato de mentir e ponto final! Será? Uma coisa é mentir para tirar vantagem ou prejudicar outrem. Outra coisa é mentir para salvar a própria pele ou a pele da família. Se eu disser a um assaltante que não tenho família para poupá-la, estarei agredindo a moral e os bons costumes?

Da perspectiva ética e do bom senso, a resposta é não!

O conceito mentira é fixo e condenável. Porém, a vida é mais complicada a ponto de chegarmos a admitir que quem mente nem sempre está mentindo.

Bem, que tal menos abstração e mais fatos, mais vida e realidade e menos conjecturas? Não chegaria a ponto de defender que os fins justificam os meios, porém, defendo que a escolha inteligente é aquela que induz à ação que gera consequências positivas para o maior número de pessoas, ou minimiza os danos para as pessoas direta e indiretamente envolvidas.

Sim, caro leitor, a Ética exige sabedoria existencial que, por sua vez, exige resultados palpáveis no lugar da retórica. Ser ético é ser capaz de atingir os objetivos próprios e compartilhados.

Contudo, ética se faz com os pés no chão e com o entendimento de que na vida real há santos, pecadores e pessoas que fazem o melhor que podem, apesar dos deslizes que venham a cometer.

Ao referir-se à ética e responsabilidade, Peter Drucker citou o juramento do médico grego Hipócrates: “Primum non nocere – Em primeiro lugar não provocar danos conscientemente”.2 Afinal, acrescenta Drucker, nenhum profissional, seja médico, advogado ou administrador, pode prometer que nunca se equivocará. “Tudo o que ele pode fazer é tentar”.3

O fato é que a resposta nem sempre está no manual onde tudo é perfeito e funciona como um relógio e, sim, dentro da nossa vida, vivida em todas as suas nuances e contradições.

 
Notas

1.      Ver, Pfister, Eugen, Ética: pense duas vezes antes de agir, 2012.
http://ovelholobo.blogspot.com.br/2012/04/negocios-efilosofia-etica-penseduas.html

2.      Drucker, Peter F, Gestão com Joseph A. Maciarelli; Rio de Janeiro, Agir, 210,  pg. 331.

3.      Idem.