sábado, 25 de agosto de 2012

Sêneca (62 d.C.)1 e a Sucessão Gerencial (2012)

Filosofia e liderança

Por Eugen Pfister

Em carta ao jovem  Lucílio, Sêneca (4 a.C – 65 d.C) faz uma digressão sobre a melhor forma de escolher um amigo. Ele critica o mau costume de conceder a amizade e depois avaliar se a pessoa é merecedora da nossa confiança. 2

“Invertemos a ordem”, registra Sêneca. Pergunto: quantas vezes não agimos assim? O correto seria a amizade baseada no convívio e não na empolgação causada pelo amor à primeira vista.

Relendo essa passagem pensei na prática organizacional de promover pessoas, depois treiná-las e, finalmente, alguns meses após aferir se acertamos na escolha.

Não é a toa que nos últimos trinta anos continuo ouvindo o mesmo lamento: “perdemos um excelente técnico (vendedor, analista, pesquisador etc.) e ganhamos em troca um péssimo gerente”.

Lembram o conselho de Sêneca? Então, treine, observe  e, depois, se for o caso,  promova.

As ferramentas básicas da “prova do líder” são a delegação, o empowerment, a liderança transitória em projetos e situações em que as qualidades de liderança são requeridas. Testes psicológicos, atividades de assessment e a avaliação 360º oferecem pistas interessantes, mas recomendo que as informações sejam cruzadas com as observações do mundo real.

Um benefício importante do método de observar e avaliar antes de promover é que a decisão final estará baseada em fatos concretos e o tempo consumido contribuiu para aproximar as partes e aumentar a confiança recíproca.

Como veem, às vezes aprendemos mais sobre o nosso ofício de administradores e gerentes pesquisando em outras fontes. E, depois, sempre é bom ventilar a mente e pensar ”fora da caixa”.

 
Se uma sucessão planejada tem uma melhor relação custo/benefício, o  que nos impede seguir o conselho de Sêneca na hora de discutir a sucessão gerencial?


Notas

1.     Data provável em que Sêneca escreve a carta citada no texto.

2.     Sêneca, As Relações Humanas: a amizade, os livros, a filosofia, o sábio e atitude perante a morte, 2ª edição, Landy Editora, São Paulo, 2007




sábado, 18 de agosto de 2012

Cinema e filosofia

Quando a lenda se torna fato

Eugen Pfister


Ao assistir O Cavaleiro das Trevas Ressurge, (direção de Christopher Nolan) com Batman, exilado em sua própria caverna mental construída de lembranças conturbadas, questionando sua vida na linha hamletiana do “ser ou não ser, eis a questão”, lembrei a frase - “Quando a lenda se torna fato, publique a lenda” proferida - por um jornalista no excelente faroeste O Homem Que Matou o Facínora (direção de John Ford, EUA, 1962).

A citação lança um facho de luz sobre o autoexílio do homem morcego mostrando que não se tratava do merecido repouso de um guerreiro fatigado pela luta sem fim contra o crime organizado.

A mídia o transformou, injustamente, no assassino do promotor Harvey Dent? Então deixe estar! Se a lenda contribuiu para pacificar Gotham City, melhor ainda.

Batman (Christian Bale) é o herói atormentado, condenado a viver o papel da persona (o homem morcego) e não a pessoa (o milionário Bruce Wayne) que busca um novo sentido para a vida. Nesse conflito o personagem vence o indivíduo e Batman volta ao palco para enfrentar o vilão Bane.

Quem ressurge, contudo, é um Batman fragilizado e humanizado que bem poderia parafrasear Descartes transmutando “o penso, logo existo” em “penso, logo duvido”.

E o vilão? O que dizer senão que as aparências, quando não iludem, não dizem tudo? Bane (Tom Hardy) aparenta ser apenas um brutamonte com um plano funesto. Porém, logo descobrimos que é um psicólogo intuitivo da alma e dos temores humanos, o que lhe confere enormes vantagens sobre os seus oponentes.

Desde o início ele sabe que Batman é apenas um indivíduo  fantasiado de morcego. Portanto, um homem que pode ser derrotado física e mentalmente. A sua função na história é lembrar ao espectador que por detrás das máscaras e fantasias que usamos, somos mortais.

Ele acerta na mosca. O Batman que ressurge não é o caubói do asfalto que viveu a lenda de ser capaz de resolver a encrenca sozinho. São águas passadas. O herói solitário depende agora, mais do que nunca, da ajuda dos velhos amigos: o inspetor Gordon (Gary Oldman), o mordomo Alfred (Michael Caine), o empresário e inventor Lucius Fox (Morgan Freeman).


Depende inclusive de Selina Kyle (Anne Hathaway), uma mulher sedutora, sensual, que floresceu no pântano do crime. Bruce Wayne fora roubado em sua mansão por Selina que, além de gravar as suas impressões digitais, subtrai um colar valioso herdado da mãe. Já Batman não resiste aos seus encantos de femme fatale do submundo.

Bane, Batman e Seline têm algo em comum: são guiados por forças que estão além do seu controle. Aliás, eis um detalhe importante: mocinhos e bandidos nessa história não têm poder sobre suas próprias vidas. Eles estão embebidos do amor fati que os latinos definiam como amor ao destino e Nietzsche como a entrega  integral da própria vida nas mãos de um futuro desconhecido, não importa se sublime e compassivo ou sórdido e cruel.


E é esse amor cego que os torna seres humanos demasiadamente humanos, vivendo vidas de super-heróis. Ou seja, a lenda sobrevive aos fatos.